"O Senhor Brecht", de Gonçalo M. Tavares


A sala


Esta a primeira frase da obra.

As artes plásticas têm encontrado o caminho de volta ao seio das comunidades: uma ou várias casas na vizinhança que compõem um circuito de artes. A culinária idem. A música nunca saiu da casa. A música é das salas dos músicos (o Rock só foi pra garagem porque é muito barulhento), ela sai,  vai a shows, encontra centenas, milhares, mas volta pra casa e se faz tão música na sala quanto foi na multidão. O teatro também tem essa acolhida das salas de casa, sempre teve. Mas o que talvez nos falte, a nós gente de teatro, é um pouco do desprendimento das outras artes na sua relação com esse lugar humano, caseiro. Usá-la sem adaptações, sem truques, sem tentar aproximá-la ao nosso teatro ideal, o que só a fragiliza e a precariza; idealização que a rigor desonra a sala de casa e o próprio teatro.

Umas das coisas que Brecht mais claramente buscou fazer nas suas formulações sobre teatro (tocando agora no fato de que o personagem ter esse mesmo nome), foi revelar o que de natural há na representação: ela é um artifício humano básico. Reconectar ator e público com a naturalidade do artifício teatral é algo que o dispositivo Sala de Casa oferece com maior potência que qualquer outro.

 
Praticamente vazia

Sendo você que nos lê, como nós, gente de teatro, concordará que o “estar praticamente vazia” da frase é o comentário documental sobre a nossa situação.

São muitas as urgências que o nosso tempo impõe, e a nós que somos o teatro é imperativo arejar o tempo com palavras necessárias, preencher o vazio que está sendo imposto, resistir, mostrar a suficiência de nossas vozes e corpos – atrizes, atores - narradores. Primeiro mostrar quem somos, a viemos, de onde viemos (rapsodos, griots) sem as mistificações que também nos esvaziam. Sermos um pouco - só pra recomeçar! - apenas o que somos: veículos da cultura, contadores de mitos, fábulas, histórias; instauradores de um rito cultural ancestral comum.


Apesar de

A sala não está vazia. Há aquele átimo de combustível para receber a fagulha da instauração do rito: há ao menos um outro.

Um lugar de acolhimento, um outro semelhante diante de um semelhante com suas histórias. Eis um antiquíssimo artefato da cultura. Explosivo. Poderoso. Não convém perdê-lo. Sim, é imperdível e necessário e já se tornou urgente. 








Récita realizada por Lourinelson Vladmir e Glauce Guima em novembro de 2016 na sala da Companhia do Latão/ SP, e contou com a presença do escritor Gonçalo M. Tavares, amigos e militantes políticos.